Eu não mato o trabalho, o trabalho é que me mata!

20 maio 2011

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Selecionei um texto de Cristiane Segatto que faz pensar sobre o peso de cada trabalho em nossas vidas e o que se faz para se manter o emprego e a remuneração!

É o tipo de matéria que sempre faremos associações com algum caso de alguém que conhecemos!

“Adoro camisetas dessas que trazem frases sintéticas que são verdadeiros manifestos.

Elas vão direto ao ponto, gritam mensagens e sentimentos que grudam nos nossos neurônios feito chiclete.

O equivalente moderno desse meio de comunicação rebelde é o Twitter.

No espaço de poucos caracteres alguém esperneia, berra, reflete com inteligência e bom humor.

O mundo lê e se identifica.

Assim como os bons tweets, algumas camisetas são simplesmente geniais.

Há alguns meses entrei com a minha filha numa loja moderninha instalada no espaço estreito que já foi uma garagem.

Uma camiseta trazia a estampa de uma lousa com giz e apagador.

No quadro negro, a frase:

“Não mato aula. A aula é que me mata”.

A frase é das boas: politicamente incorreta e instigante.

Por mais que eu considere a educação um patrimônio gigantesco e um valor fundamental é preciso reconhecer que o processo de aprendizagem é doloroso.

Na maioria das vezes, ser aluno dói.

É ser obrigado a cumprir uma rotina que não escolhemos, a aprender conteúdos que parecem inúteis e são esquecidos tão logo o bimestre acaba e a encarar chateações de todo tipo.

O desabafo da camiseta faz ainda mais sentido para as crianças da geração da minha filha do que faria para mim quando eu tinha os 10 anos dela.

Algumas escolas e professores até que se esforçam, mas, na maior parte dos casos, as aulas são maçantes para a geração que já nasceu digital.

O mundo mudou, mas o script da vida escolar continua praticamente o mesmo: lousa, apagador, alunos sentados, professor em pé, ouvir, escrever, fazer lição de casa.

Para muitos alunos, escola é o próprio tédio.

Esses garotos não matam aula.

Estão lá.

De corpo presente, mas dispersos.

É a aula que os mata.

Fiquei pensando em que medida esse sentimento (de estar presente, mas incomodado ou infeliz) nos persegue desde a escola até a vida adulta, quando entramos no mercado de trabalho.

Se o trabalho é fonte de tristeza, que danos emocionais pode causar?

Lembrei de alguém que poderia me dar boas pistas.

No final do ano passado, assisti em Fortaleza a uma palestra do psiquiatra Duílio Antero de Camargo, durante o Congresso da Associação Brasileira de Psiquiatria. Depois de conversar com ele nesta semana, fiquei convencida de que grande parte dos trabalhadores (talvez a maioria) tem vontade de gritar: “Não mato o trabalho. O trabalho é que me mata”. Se esse é o seu caso, mãos ao Twitter.

Um dos campos de pesquisa de Duílio é o presenteísmo.

Esse é um termo que significa “estar presente no trabalho, mas com um sintoma leve de alguma doença ou distúrbio”.

A pessoa não falta, mas trabalha doente.

Não é só o trabalhador que perde com isso.

A empresa também perde.

“Pesquisas realizadas nos Estados Unidos demonstram que as perdas de produtividade por depressão e dores sofridas por trabalhadores que não faltam ao trabalho superam as perdas de produtividade derivadas do absentesísmo”, diz Camargo.

Ele é um dos especialistas do setor de psiquiatria do trabalho do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas, em São Paulo.

O presenteísmo é um problema conhecido pelos profissionais de recursos humanos e pelos médicos do trabalho.

A maioria deles, porém, se preocupa mais com os fatores ambientais que provocam mal-estar e doenças: ergonomia, calor, segurança do trabalho etc.

Duílio decidiu investigar um campo pouco explorado.

Ele pesquisa os problemas emocionais e os transtornos psiquiátricos originados no trabalho.

Está lançando o livro Psiquiatria ocupacional, pela Editora Atheneu.

Os transtornos mentais (entre eles, os depressivos) já são a terceira causa de afastamento do trabalho no Brasil.

Ficam atrás apenas dos acidentes e das lesões conhecidas como LER/Dort, o conjunto de doenças provocadas pelo esforço repetitivo.

Na região sudeste, os transtornos mentais ocupam o segundo lugar.

“A maioria das empresas trabalha com metas e impõe cobranças radicais.

A pressão exagerada por produtividade e o excesso de tensão provocam problemas emocionais que podem desencadear transtornos mentais graves”, diz Camargo.

A coisa é mais ou menos assim: o funcionário trabalha num ritmo insano, enfrenta pressões e acostuma-se a ouvir reclamações constantes da chefia em reuniões constrangedoras.

Passa anos nesse ritmo como se esse fosse o ambiente natural de sua profissão.

Não reclama, por medo de perder o emprego ou porque não quer ser considerado um fraco.

Até que um dia os problemas emocionais começam a aparecer.

Pode ficar ansioso, meio deprimido ou sentir medo.

Se isso durar um dia ou outro e não atrapalhar a vida do sujeito, significa que ele ainda não está sofrendo de uma doença psiquiátrica.

Mas se a ansiedade, a depressão e o medo perdurarem e começarem a provocar problemas físicos (taquicardia, hipertensão, dores de cabeça, insônia, por exemplo) pode ser o sinal de que um transtorno mental está instalado.

Esse é um terreno fértil para uma série de males, entre eles transtorno do pânico, depressão, transtornos do sono, síndrome de burnout (esgotamento total) etc.

Você reconhece essa descrição?

Aí no seu trabalho tem alguém que passou por isso?

Infelizmente essa é uma situação corriqueira.

Duílio e outros profissionais procuraram estabelecer aquilo que se chama nexo causal. Ou seja: de que forma a situação vivida no trabalho pode ter provocado o dano observado.

A depressão do sujeito foi disparada pelo chefe ou pelo casamento ruim?

Pelo assédio moral na empresa ou por sua condição sócio-econômica?

No livro, Duílio apresenta um questionário que ajuda o médico do trabalho, os psiquiatras e os peritos a fazer essa distinção.

Será que é tão difícil construir um ambiente profissional saudável?

É natural que o relacionamento entre chefes e subordinados seja conflituoso.

Ele envolve relações de poder e uma convivência forçada entre pessoas que não se escolheram.

Se homens e mulheres que se casam apaixonados e de livre e espontânea vontade às vezes brigam como cães e gatos, o que esperar da relação entre chefes e funcionários?

Acho que uma regra básica do bom senso deveria prevalecer: não faço aos outros aquilo que não gostaria que fizessem a mim.

Essa norma simples já seria capaz de evitar muito do desrespeito e dos danos emocionais que ouvimos por aí.

Há saída? Segundo Duílio, as empresas precisam ser sensibilizadas e criar programas preventivos.

Isso significa avaliar a saúde mental dos funcionários por meio de questionários e testes e ensinar as pessoas que ocupam cargos de chefia a lidar com emoções.

“Não adianta tentar mexer na base.

Quem tem o poder é que precisa aprender a lidar com gente e a zelar pela saúde mental de todos”, diz Duílio.

Os danos emocionais são especialmente perversos quando acometem os profissionais que ganham os menores salários.

Aqueles que estão indefesos, sem a menor condição de pagar uma psicoterapia ou um tratamento psiquiátrico.

Os profissionais mais qualificados têm a chance de colocar na balança as perdas e os ganhos que cada empresa oferece.

Vale a pena batalhar, se destacar, competir, suportar todas as pressões, conquistar um salário invejável — e depois torrá-lo na terapia ou no psiquiatra?

Conheço vários profissionais, de diferentes áreas, que estão nesta situação.

E outros que ainda não procuraram ajuda, mas deveriam.

CRISTIANE SEGATTO
Repórter especial, faz parte da equipe de ÉPOCA desde 1998.
Escreve sobre medicina há 15 anos e ganhou mais de 10 prêmios nacionais de jornalismo.