Para variar um pouco, pois afinal é carnaval, vou relatar um momento inesquecível de uma viagem de férias emendando com o CARNAVAL, que fiz há muiiiiiitos anos atrás!
Dois Toyotas Bandeirantes com tração integral em perfeito estado, uma viagem detalhadamente programada e, a bordo, duas famílias.
Seriam 12.500km de absoluta tranquilidade, não fosse o inexplicável sumiço de uma roda, com eixo e tudo…..
E essa viagem histórica da qual fui personagem, saiu na Revista Auto Esporte Ano XXV, no. 297, 1990, págs 62 a 69. Relato feito por nosso parceiro de viagem Franco Migliari.
Ao darmos partida em nossas Toyotas, meu amigo Augusto e eu não tínhamos ainda plena certeza de que a viagem, preparada com todo cuidado por mais de um ano, seria efetivamente cumprida. Não por falta de confiança em nossos veículos ou tripulação, mas por culpa do Coronel Aldo Rico, do Exército Argentino.A viagem havia sido programada para durar cerca de 30 dias e deveria seguir rumo ao Sul, através dos Pampas e do deserto da Patagônia, rente à Cordilheira dos Andes pelo lado argentino e baixando até a Terra do Fogo, na ponta extrema da América do Sul.
Os carros eram de tração 4×4 movidos a diesel e tinham sido escolhidos pela robustez e pela capacidade de se movimentarem em qualquer tipo de terreno, inclusive na neve. As Toyotas tinham pneus largos, bancos confortáveis, ar condicionado, bagageiros e bujões extras de combustível. Além disso dispúnhamos de Toca-fitas, dois estepes para cada veículo, walkie-talkies para comunicação e barracas de camping para o caso de bivaques forçados.
(Notem que na época dessa viagem – janeiro de 1989, não haviam celulares, CDs, DVDs, MP3s, Ipods, GPS, máquina fotográfica digital, internet, notebooks, Ipads, Iphones,twitter, facebook, blogs…)
Na Toyota perua longa, de 81, iam minha mulher Mariúche, minha filha Mirella(14 anos) e sua amiga Mariana (15 anos). Na outra Toyota curta, de 85, seguiam Augusto e Sandra, com os filhos(meus enteados) Mirella(9 anos), Augusto (7 anos) e Bruno (6 anos).A aventura havia sido programada para qualquer período entre dezembro e março, época do verão austral; fora dessa estação, teríamos que enfrentar ventos fortes, chuvas e nevascas, que constituiriam sérios obstáculos ao nosso deslocamento.
Saímos do Rio bem cedo no dia 18 de janeiro, atentos às notícias sobre a evolução da crise militar argentina. Caso a situação degenerasse, seguiríamos roteiro alternativo. Três dias depois, estáamos em Foz do Iguaçu, onde visitamos as estupendas Cataratas e aproveitamos para dar um pulo até Puerto Stroessner (Paraguai) para umas compras.
Ao longo da estrada, encontramos vários carros do Brasil que retornavam da Argentina e informavam que a situação estava sob controle. No dia 21 de janeiro, soubemos através da TV que o coronel Aldo Rico tinha sido preso e que a rebelião, sufocada.Pudemos então seguir viagem, seguindo o plano original.
Nossa primeira parada em território argentino foi na cidade de Puerto Iguazu, depois atravessamos a província de Missiones, embaixo de chuva forte e ventos contrários.
Por onde passávamos os argentinos vinham nos fazer perguntas e se despediam com a frase: “Que les vaya bién!”.
Seguimos até a capital da província-Posadas – e, no dia seguinte atravessamos uma região de pastagens inundadas pelos rios e infestadas de insetos.
No percurso de Goya a Rosário, a estrada passa por Santa Fé e mergulha por baixo do rio Paraná, através do único túnel subfluvial existente na América do Sul. Ao emergir do túnel avista-se a cidade de Paraná. Mais adiante, tem início uma excelente auto-estrada com 8 pistas.Pernoitamos em Rosário e no dia seguinte os Pampas se estendiam a perder de vista.
Percorremos centenas de quilômetros em linha reta e quando havia uma curva, coisa rara, festejávamos ruidosamente. Os escassos povoados da região levam os nomes dos chefes militares que participaram da expedição do Deserto, e foi para um deles que nos dirigimos.
Faltando poucos quilômetros para a cidade de General Pico, minha Toyota estremeceu e adernou para a esquerda, sem que conseguísse freá-la, ao mesmo tempo em que um barulho de ferragens raspando o asfalto aumentou de intensidade. Consegui pará-la na contra-mão, junto a uma árvore. Augusto, que vinha atrás, apavorado e impotente diante da situação, não observou o rumo da roda que havia se soltado.(Aqui um detalhe, quem estava dirigindo a outra Toyota era eu, Augusto que dormia no banco do carona, acordou apavorado com meu grito por ver as fagulhas que saiam das ferragens deles batendo no asfalto. A roda havia passado girando em alta velocidade e eu consegui escapar dela).
Desci do carro e vi o que aconteceu: o semi-eixo traseiro esquerdo havia partido, ocasionando a separação da roda, do tambor de freio e o flange com os parafusos que prendiam o conjunto.Alguns carros que vinham atrás de nós pararam e foram buscar reboque na cidade. Enquanto isso, tentávamos recuperar a roda perdida. meia-hora depois,chegou o reboque e seguimos para o hotel.
No dia seguinte, às 6hs da manhã, voltamos ao local do acidente. Andamos à pé, depois à cavalo -emprestados por um dono do sítio, outras pessoas se juntaram a nós, mas a roda e tudo o mais havia desaparecido. (O local era um arrozal, e mais parecia um labirinto).Para ajudar a localizar a roda perdida, a oficina colocou anúncios nos jornais e fez chamadas pelo rádio. Dessa maneira ficamos conhecidos na pequena e simpática cidade de Gal. Pico, como Los Aventures de la Rueda Perdida. (recebemos diversos convites de almoço, jantar, lanche dos habitantes da cidade para suas casas, enquanto o carro estava na oficina e os cidadãos procuravam em mutirão a roda perdida).
Depois de três dias, os mecânicos da oficina Rural Diesel soldaram o que havia sobrado do eixo e fizeram adaptações com peças de outros carros, uma obra de arte de restauração de peça! Em resposta à solidareidade e à hospitalidade, deixei nossos agradecimentos no jornal local “La Reforma”.
Tivemos que mudar de roteiro, abandonamos o projeto inicial e deixamos a Terra do Fogo para outra oportunidade. Decidimos ir através dos Andes para o Sul do Chile, e dali para o Norte até Santiago, de onde, cruzando novamente os Andes, regressaríamos à Argentina, cortando os Pampas até Buenos Aires, de onde subiríamos de volta ao Brasil.
Fomos para Neuquén, de onde telefonei para meu amigo William no Rio, ja que ele iria estar viajando para o nosso lado e pedi que trouxesse um semi-eixo novo.
Retomamos a estrada e em breve fomos conhecer San Martin de los Andes, pequena cidade “suiça” incrustrada em plena paisagem andina. Depois San Carlos de Bariloche, que é uma cidade voltada para o turismo e, tanto no verão quanto no inverno, é uma das regiões mais lindas que existem no mundo. Ficamos 5 dias nessa cidade.
Seguimos em direção de Tramahuel-Nilque, à beira do lago Puyehue. A influência da colonização alemã no sul do Chile é muito forte, e se manifesta principalmente através da arquitetura e da culinária. Resolvemos visitar a pequena e florida cidade de Frutillar. É uma jóia de cidade de veraneio, com lindas casas alemães em madeira.
Bariloche-Argentina – Puerto Montt-Chile
Após percorrermos a cidade pela avenida cheia de flores coloridas que beira o lago, vislumbramos o espetacular vulcão Osorno, com seu cume coberto de neve.
Mais 17 km chegávamos a Puerto Montt, situada na enseada de Relocanvi, parte do Golfo de Ancud, no Pacífico, onde a emoção de vê-lo pela primeira vez foi grande.
Fizemos uma excursão à Ilha de Chiloé, com 11.700 km2. Ela é a segunda maior ilha oceânica da América do Sul (a primeira é a Terra do Fogo). Lá existe o Museu Regional de Ancud.
Saindo de Puerto Montt em direção ao Norte, paramos em Valdívia, cidade já devastada por 2 grandes terremotos.
Seguimos para Santiago, percorrendo 400kms.
No dia seguinte fomos aré Viña del Mar, a 112km, e Valparaíso, cidade portuária.
Depois voltamos para Santiago, aonde encontramos nosso amigo William com a peça do carro para a substituição.
Depois rumamos para Paso Las Cuevas fronteira com a Argentina, a 150 km. A estrada, a partir de Los Andes, começa a correr num largo vale que logo vai se estreitando e torna-se árido. Fomos à Base do Acongágua, aonde respirávamos com dificuldade devido a altitude, mas uma das vistas mais lindas que já me deparei. Na travessia almoçamos em Portillo, estação de esqui e passamos por Los Penitentes, outra famosa estação de esqui.
Chegamos a Mendoza à noite, e de lá, após 1.048km, chegamos em Buenos Aires aonde ficamos por uns 3 dias.
E de lá Paso de Los Libres, e depois Uruguaiana no Rio Grande do Sul/Brasil.
Quando chegamos no Rio de Janeiro, a cidade havia sido alagada numa enchente, mas era o nosso velho Rio.
De novo em casa, após 32 dias de passeios inesquecíveis e 12.500kms rodados.(tão inesquecíveis que em 2012, 23 anos depois, estou contando essa aventura aqui no blog!)
E como registrei em ANCUD no Chile:
“El pueblo que no respeta su pasado
no tendra futuro”