Durante uma vida
a gente é capaz de sentir de tudo,
são inúmeras as sensações que nos invadem,
e delas a arte igualmente já se serviu com fartura.
Paixão,
saudades,
culpa,
dor-de-cotovelo,
remorso,
excitação,
otimismo,
desejo –
sabemos reconhecer
cada uma destas alegrias e tristezas,
não há muita novidade,
já vivenciamos um pouco de cada coisa,
e o que não foi vivenciado
foi ao menos testemunhado
através de filmes, novelas, letras de música.
Há um sentimento,
no entanto,
que não aparece muito,
não protagoniza cenas de cinema
nem vira versos com freqüência,
e quando a gente sente na própria pele,
é como se fosse uma visita incômoda.
De humilhação que falo.
Há muitas maneiras
de uma pessoa se sentir
humilhada.
A mais comum
é aquela em que alguém
nos menospreza diretamente,
nos reduz,
nos coloca no nosso devido lugar
– que lugar é este que não permite movimento, travessia?.
Geralmente são opressões hierárquicas:
patrão-empregado, professor-aluno, adulto-criança.
Respeitamos a hierarquia,
mas não engolimos a soberba alheia,
e este tipo de humilhação só não causa maior estrago
porque sabemos que ele é fruto da arrogância,
e os arrogantes nada mais são
do que pessoas com complexo de inferioridade.
Humilham para não se sentirem humilhados.
Mas e quando a humilhação não é fruto da hierarquia,
mas de algo muito maior e mais massacrante:
o desconhecimento sobre nós mesmos?
Tentamos superar uma dor antiga
e não conseguimos.
Procuramos ficar amigos de quem já amamos
e caímos em velhas ciladas armadas pelo coração.
Oferecemos nosso corpo e nosso carinho
para quem já não precisa nem de um nem de outro.
Motivos nobres, mas os resultados são vexatórios.
Nesses casos,
não houve maldade,
ninguém pretendeu nos desdenhar.
Estivemos apenas enfrentando o desconhecido:
nós mesmos,
nossas fraquezas,
nossas emoções mais escondidas,
aquelas que julgávamos superadas,
para sempre adormecidas,
mas que de vez em quando acordam para,
impiedosas,
nos colocar em nosso devido lugar.