Hoje é aniversário de Anderson Cavalcante, autor do Livro O que Realmente Importa?, e outros títulos.
Separei um trecho que exemplifica os diferentes olhares que temos diante as circunstâncias que nos cercam.
“Todos nós temos um jeito particular de enxergar o mundo.
Nossas crenças e experiências influenciam nossa percepção, toda vez que olhamos para algo ou alguém.
Por isso, é muito comum pessoas diferentes terem interpretações completamente diversas sobre a mesma imagem ou situação.
Outro dia fiz uma descoberta interessante enquanto lia sobre a vida de São Boaventura, um bispo do século XII que, após ter sido curado por São Francisco de Assis, a quem admiro muito, ingressou na ordem franciscana e passou a se dedicar a fazer o bem.
São Boaventura formulou pensamentos extraordinários sobre a natureza humana.
Um deles nunca foi tão atual.
Para ele, existem três formas de olhar o mundo, três olhares diferentes que definem o alcance de nossa percepção.
O primeiro olhar é o olhar da carne, um olho físico, estrutural, capaz de enxergar a matéria pura e simplesmente.
É um olhar igual para todo mundo, mas limitado, pois enxerga apenas o aparente: é o “ver por ver”.
O segundo olhar é o olhar da razão, mais refinado do que o olho da carne, pois permite que, ao olharmos para alguém ou algo, sejamos capazes de analisar racionalmente essa visão, pensar sobre ela.
Esse é o olho da ciência, para o qual tudo precisa ser provado: é o “ver para crer”.
E há o terceiro olhar, que é o olhar da contemplação.
Esse é um olhar todo especial, o olhar que, segundo São Boaventura, está em comunhão com a grandeza da natureza: é o “ver além”.
Quando olho para alguém ou algo com esse olhar, não estou me detendo apenas no que é nem em como funciona.
Quando olho com esse olhar, estou sentindo.
Minha percepção me traz uma clareza maior e sentimentos que me tocam de forma profunda, porque não vejo apenas, entro em comunhão com aquilo e sinto também.
Quando olho para você com esse olhar, você é muito mais do que eu posso perceber, enxergar ou entender; você é o que eu posso sentir.
Pensando sobre isso, lembrei-me de uma conversa que tive com o padre Fábio de Melo.
Ele me falava de outro conceito que tem tudo a ver com essa ideia do olhar da contemplação.
Falávamos de misericórdia, e ele me explicava que esse é um conceito teológico que tem um significado extremamente profundo. Misericórdia significa “coração em que ainda cabe outro”.
Um coração que ainda não está cheio e, portanto, comporta a possibilidade de sentir pelo outro.
Reflita um pouco e perceba que a misericórdia acontece no seu interior toda vez que você é capaz de “ser o outro”, de se envolver no que o outro está sentindo ou pensando, sem preconceitos ou julgamentos prévios.
O exercício da misericórdia, portanto, está ao alcance de todos nós, basta que se tenha a disposição de “ver além”, de estar de coração aberto para receber o outro dentro da gente, com suas alegrias e dores, acertos e erros.
Mas só contempla aquele que saiu de si, que permitiu que a realidade diante de seus olhos lhe invadisse a alma.
Certas coisas vemos melhor com os olhos fechados. “
Anderson Cavalcante
Editora Sextante