Mariana de Castro Moreira é filha da querida Lurdinha do Espaço Compartilharte, e veio nos prestigiar com sua experiência numa obra tão fascinante como o trabalho que faz em Teresópolis.
Suas expressivas palavras dispensam quaisquer introdução ou apresentação!
Demais, muito obrigada!
Graduada em Psicologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1997). Mestre em Psicossociologia de Comunidades e Ecologia Social pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (2000). Doutoranda do Programa EICOS/UFRJ (2010).
Área de atuação: psicologia social e comunidades: saúde e educação, desenvolvimento social e meio ambiente. Atualmente é Secretária Executiva do Espaço Compartilharte, ONG nacionalmente reconhecida, onde tem atuado na gestão de projetos sociais nas áreas de educação, meio ambiente e assistência social. Dedica-se à produção de conhecimentos nestas áreas, através de atividades de avaliação, sistematização e disseminação de experiências e metodologias. Participa de diversos conselhos e fóruns formuladores de políticas públicas. É professora e consultora em cursos de graduação, pós-graduação e atualização profissional.
Nasci em Brasília, em 1973. Sou de umas das primeiras gerações da nova capital, à época adolescente, em seus 13 anos. Sou filha de mineiros que saíram jovens de Belo Horizonte para estudar e trabalhar. A cidade, quando nasci, reunia gente de todo lugar do Brasil: uma mistura de sotaques, comidas, costumes que, hoje, reconheço se configuram como um mosaico, fazendo diferença em minha história, no olhar e interesse pelas multiplicidades de formas de ser/conviver.
Embora vivêssemos a chamada “abertura política”, a ditadura militar faz parte das imagens de infância. Nas ruas, estão os desfiles militares, a comitiva do então Presidente Figueiredo passando pelas largas avenidas da cidade. Nas escolas, colegas de sala filhos de militares, professores mais ou menos “libertários”. Em casa, as histórias, músicas, vestimentas, sonhos, discursos e também não ditos sobre a Revolução. Minha mãe, envolvida com o movimento estudantil, foi presa política. As noites e os finais de semana eram verdadeiros encontros de amigos – muitos jornalistas, professores, arquitetos, artistas – que se reuniam em torno de um ideal: um mundo igualitário, livre, com direitos garantidos – ou conquistados – para todos. Amigos desaparecidos ou sem poder “aparecer”... A trilha sonora reúne os Tropicalistas, Doces Bárbaros, Mutantes, Secos e Molhados. Muitos mineiros do Clube da Esquina. Doces melodias da Bossa Nova, nas vozes de Nara Leão, Tom, Toquinho...
Meus pais se formaram na jovem Universidade de Brasília (UnB). Roberto em Sociologia. Lurdinha em Comunicação Social. Ele, encantado pelos “saberes acadêmicos”, fez mestrado em Comunicação e Doutorado em Sociologia, estudando a cultura brasileira e dedicando-se à docência e pesquisa. Ela, a tradução dos versos “quem sabe faz a hora, não espera acontecer”, fez pós-graduação em Política e Planejamento de Comunicação para o Desenvolvimento e, mais adiante, em Gestão Ambiental, sempre buscando colocar a comunicação a serviço do trabalho com grupos, comunidades. Dele, reconheço em mim, a paixão pelos saberes, a disciplina necessária para conhecer. Dela, reconheço a paixão pelos fazeres, a garra necessária para transformar e realizar. Caminhos complementares para viver e conhecer.
Ambos, Lurdinha e Roberto, foram servidores públicos – servidores na acepção do termo, distintamente de funcionários públicos. Dedicaram anos de suas vidas ao Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Nasci destas histórias e me chamo Mariana em homenagem à cidade histórica mineira. Tenho um irmão, Beto, que quando pequeno, foi apelidado de “Ouro Preto”. Passamos grande parte de nossa infância, viajando pelo Brasil – Minas Gerais, Goiás e estados do Nordeste principalmente - visitando monumentos históricos, acompanhando restaurações e projetos de desenvolvimento comunitário.
Em nossa educação, valores como a verdade, o respeito e a solidariedade foram ensinados como pontos inegociáveis. Talvez por isso, em minha formatura de graduação em Psicologia, a turma tenha escolhido a canção “Bola de meia, bola de gude” para me (re)apresentar.
“Há um menino, há um moleque, morando sempre no meu coração
Toda vez que o adulto balança ele vem pra me dar a mão
Há um passado no meu presente, o sol bem quente lá no meu quintal
Toda vez que a bruxa me assombra o menino me dá a mãoEle fala de coisas bonitas que eu acredito que não deixarão de existir
Amizade, palavra, respeito, caráter, bondade, alegria e amor
Pois não posso, não devo, não quero viver como toda essa gente insiste em viver
Não posso aceitar sossegado qualquer sacanagem ser coisa normalBola de meia, bola de gude, o solidário não quer solidão
Toda vez que a tristeza me alcança o menino me dá a mão
Há um menino, há um moleque morando sempre no meu coração
toda vez que o adulto fraqueja ele vem pra me dar a mão”.
Toda vez que o adulto balança ele vem pra me dar a mão
Há um passado no meu presente, o sol bem quente lá no meu quintal
Toda vez que a bruxa me assombra o menino me dá a mãoEle fala de coisas bonitas que eu acredito que não deixarão de existir
Amizade, palavra, respeito, caráter, bondade, alegria e amor
Pois não posso, não devo, não quero viver como toda essa gente insiste em viver
Não posso aceitar sossegado qualquer sacanagem ser coisa normalBola de meia, bola de gude, o solidário não quer solidão
Toda vez que a tristeza me alcança o menino me dá a mão
Há um menino, há um moleque morando sempre no meu coração
toda vez que o adulto fraqueja ele vem pra me dar a mão”.
Da infância em Brasília, ficaram as brincadeiras na rua. Na escola, eternos desafios com matemática e, mais a frente, com química e física... História e literatura foram, desde muito cedo, minhas paixões. Sobretudo estudar as civilizações antigas, a História do Brasil, os movimentos literários e os clássicos autores brasileiros. “Quando crescer, vou ser professora e arqueóloga”, dizia.
Lembro-me de questionamentos sobre o sentido da escola e a necessidade de estudar “assuntos desvinculados da vida”. Ao lado da escola formal, tivemos a oportunidade de fazer “escolinha de arte”: uma psicanalista que utilizava um atelier de cerâmica como espaço terapêutico e abria também espaço para as crianças... Estudei teatro: Oswaldo Montenegro montava suas primeiras peças na escola onde estudávamos. Mais tarde, fiz Tablado no Rio. Dança com Carlota Portella, Expressão Corporal com Angel Viana.
Sem seguir necessariamente uma ordem cronológica, reúno imagens da infância-juventude, quando a arte e a cultura mediavam relações com o mundo, abriam canais de expressão e experimentação, não formais, informais, mas fundamentais para a formação de olhares diversos.
Dos 10 aos 17 anos, morei no Rio de Janeiro e em Brasília – três idas e vindas - em períodos diferentes. Da vivência no Rio, ficam ao mesmo tempo a dificuldade de ser “estrangeiro” e ser estranho no sotaque, nas gírias, nos modos; mas também a abertura para uma multiplicidade de pessoas e modas. Ternos e biquínis no mesmo espaço-tempo, mescla de tribos... o que, em Brasília, não existia.
Desta época, ficam também as primeiras vivências no movimento estudantil, por uma “escola de qualidade”! A campanha das “Diretas Já” e a primeira candidatura de Lula à Presidência da República. Uma acirrada discussão com uma colega de escola, filha de um grande fazendeiro, que tentava me convencer sobre os propósitos da UDR, ruralistas e afins contra o “analfabeto comunista”... Curiosidades e experiências religiosas, com credos diversos. Católicos, espíritas, evangélicos, umbandistas, budistas, ateus... Os primeiros amores, as rodas de violão, tocadas à noite no Congresso Nacional – diversão dos jovens brasilienses, tão “perto” do poder.
Em 1991, o primeiro vestibular: História! Na UFF, UnB, UERJ... não passei. Em 1992, o segundo vestibular: Psicologia. Dentre as várias aprovações, a opção pela UFRJ e o sonho da Universidade Pública! Da História à Psicologia, muitas “costuras” vêm sendo tecidas ainda hoje, no alinhave da subjetividade com a cultura; no encontro com a Psicossociologia; na descoberta de que estas fronteiras não são assim tão nítidas... em comum, a paixão pelas histórias, pelas narrativas, formas de contar e viver a vida.
Setembro de 1991. Um grupo de sete amigos, do qual fazia parte, realiza as primeiras atividades com crianças e mulheres de comunidades rurais de Teresópolis. Brincadeiras, teatro, música, conversas... formas de conhecer e se apresentar àquelas pessoas. Era o início do que muito depois viraria o Espaço Compartilharte, ONG na qual trabalho ainda hoje. Mais dessa história, pode ser conhecida em www.espacocomprtilharte.org.br ou pessoalmente em nossa sede.
Hoje, estou casada e sou mãe de Pedro e Júlia, a melhor e mais desafiadora experiência de toda minha vida. Esperança e compromisso de continuar lutando e buscando contribuir com a construção de uma vida melhor.
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A idéia de Projetar Pessoas me lembra muito um texto de Stephen Kanitz sobre o Poder de Validação. Ele fala em um significado distinto da conceituação da estatística. Para o autor “Validar alguém seria confirmar que essa pessoa existe, que ela é real, verdadeira, que ela tem valor”. E mais: “Todos nós precisamos ser validados pelos outros, constantemente (...) Validar o outro significa confirmá-lo, como dizer: "Você tem significado para mim".” (disponível em http://www.kanitz.com.br/veja/o_poder_da_validacao.asp)
Projetar Pessoas, no meu entendimento, aproxima-se dessa proposta. Trata-se, em primeiro lugar, de olhar o outro, reconhecê-lo em sua existência, enxergá-lo... o outro existe também a partir do nosso olhar e das possibilidades que inventamos para nos relacionar e conviver. Projetar pessoas é compartilhar possibilidades de encontros. Encontros que transformam.
Assim entendido, a primeira experiência de Projetar Pessoas começa com a própria geração da vida. Pessoas que dão oportunidade de projetar outras, fazendo-as existir. A mãe quando olha seu bebê, ao amamentar, cantar, brincar, acarinhar projeta pessoas... É, como diz a música, quando vemos “a mulher preparando outra pessoa” e “o tempo pára (parou) para eu olhar para aquela barriga”... Sim, “a vida é amiga da arte” e talvez viver seja feito da arte de projetar pessoas e ser projetado.
Hoje, cedo, ao estudar ciências com meu filho, falávamos da luz e suas características... Ele, aos nove anos, tentava entender a diferença entre objetos transparentes, opacos e translúcidos. Projetar pessoas afasta-se da opacidade e aproxima-se da transparência. A luz atravessa, ilumina e transforma pessoas.
O blog Projetando Pessoas atua nesse sentido: dando visibilidade, promovendo encontros, iluminando trajetórias. Vida longa ao Projetando Pessoas!
A oportunidade de atuar, há vinte anos, no Espaço Compartilharte, em Projetos Sociais é tecida a partir da possibilidade de Projetar Pessoas. Conhecer, identificar e dar visibilidade não somente às demandas de famílias e comunidades vivendo em situação de vulnerabilidade, mas sobretudo às suas potencialidades é o primeiro passo. Construir projetos, desenvolver e acompanhar ações de fortalecimento dos direitos dessas pessoas e grupos é nossa missão. Entender nosso trabalho como luta pela garantia de Direitos e não como favor ou caridade é uma forma diferenciada de Projetar Pessoas.
Vale acrescentar que não é só nosso”público-alvo” que é projetado para outras possibilidades de ser e conviver, mas igualmente e sobretudo nós, que atuamos a frente destes projetos, vivemos a real possibilidade de termos nossas vidas transformadas por estes trabalhos.
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